Equiparar a arte de
fazer música ao jogo de xadrez pode ser uma analogia fria e, talvez, sem fundamento,
afinal, o primeiro prioriza as emoções e segundo detém o foco nas questões
analíticas. Todavia, tanto o cenário musical quanto o estratégico do xadrez tomam
a precauções de terem consigo suas respectivas peças chaves, onde num estalar
de dedos conseguem mudar todo um cenário. E pensar no cenário metálico
brasileiro e suas principais figuras – ou peças fundamentais – vêm fácil,
fácil, à cabeça o nome Andre Matos e toda sua obra que faz do heavy metal
nacional não uma unanimidade por excelência, mas prova que com muito
comprometimento, talento e com a máxima: fale menos e faça mais, se constrói uma
carreira de sucesso, vide discos seminais que vocalista lançou, por exemplo:
Theatre of Fate (Viper); Angels Cry e Holy Land (Angra); Ritual (Shaman), que,
sem menor gota de dúvida, são argumentos justos de ter o nome Andre Matos no
legado do heavy metal brasileiro. E foi para saber mais da reunião com a banda
Viper, disco novo, carreira solo, Opera Rock Tommy.... Que fomos bater um papo
com o simpático, Andre. Então, caro amigo, pode abrir sua gelada e aumentar o
som porque o bate-papo é dos bons...
Parece
que o ano de 2012 reserva boas surpresas aos seus fãs antigos com a turnê To
Live Again Tour, rememorando seu tempo com a banda Viper. Conte-nos um pouco
mais dessa história de reavivar a época do Viper?
Andre
Mantos: Bem, essa
foi uma idéia que nós, ex-membros do Viper, os remanescentes da formação
original, tivemos, pois, independente das nossas carreiras e tudo que ocorreu
ao longo dos anos, nós nos mantivemos amigos, vizinhos de bairro, em São Paulo.
Ou seja, volta e meia nós nos encontrávamos para bater papo e sempre voltava à
tona essa idéia de fazer alguma coisa comemorativa, fazer algo para valer
juntos. Há uma fase anterior em que o Viper voltou com outro vocalista, o
Ricardo Bocci, que era um excelente cantor, e lançou o disco de inéditas, All
My Life, cujo álbum eu participei e realizei alguns shows como convidado. Com
isso, o Viper estava em outra etapa com vocalista próprio, e eu super focado na
minha banda solo, logo, a reunião com a banda não se faria possível. Mas eu
sabia que passaria um período no Brasil, porque não estou morando o tempo todo
aqui, e voltaria ao país para turnês da banda solo e da gravação do novo disco,
cujo processo começará em breve. Com isso, eu teria essa disponibilidade e
coincidiu de encontrar com o pessoal do Viper. Aliás, quem levantou muito essa
questão da reunião foi o pessoal do site Wikimetal, porque são nossos amigos há
muitos anos, quando do começo da banda. Eu me lembro que cada um dos integrantes
fora entrevistado, um por vez, e nessas entrevistas se via muito claramente que
havia em cada um a vontade de voltar trabalhar novamente juntos, mas a questão
era: vontade nós temos, no entanto, não sabemos quando e como. E foi questão de
alguns meses atrás que nos encontramos e veio à ideia definitiva de fazer a
reunião com todos os membros originais, inclusive com o Yves Passarel.
Mas
o Yves não é membro do Capital Inicial?
Andre:
Sim! Ele está no Capital há dez anos e a banda tem uma agenda fixa com shows
marcados pelo ano inteiro, então, nessa reunião ele colocou para a gente:
‘quero muito participar, claro, por uma questão de amizade e afinidade, mas não
poderei participar de todos os shows, porque tenho compromissos marcados há
mais de seis meses e não posso faltar’.
São
22 anos que separam o artista Andre Matos e a banda Viper. Nesse ínterim, com certeza, ambas carreiras
passaram por inevitáveis processos de amadurecimento. Você acredita que esse
fator tempo será facilitador, no sentido de algo como: calçar aqueles
confortáveis pares de chinelos, ou será algo que exigirá mais cautela, afinal,
são carreiras com respostas e vivências diferentes?
Andre:
Com certeza será como colocar um par de chinelos antigo! Eu me mantive mais
ativo na cena, mas, honestamente, entre nós não há problema quanto a isso,
mesmo que, eventualmente, eu tenha alcançado uma projeção maior fora do Viper
não irá interferir em nada, e tem mais, naquela época era muito difícil
alcançar uma projeção desse tipo. Nós fomos um dos pioneiros! O que prevaleceu
de tudo isso foi a nossa amizade. Nós nos gostamos muito, de verdade. E nos
ficou muito claro quando entramos no estúdio para ensaiar pela primeira vez, eu,
por exemplo, não sabia o que esperar, mas me surpreendi positivamente ver os
caras tocando. E há uma coisa que costumo responder em entrevista quando me
perguntam qual o período da minha carreira mais gosto e ou tenho boas memórias,
e eu sempre digo: foi o período com o Viper.
Mesmo
com o estrelato da sua carreira com Angra e os álbuns Angels Cry e Holy Land?
Andre:
Sim! O Angra foi pontuado pelo profissionalismo. O Viper era tudo na raça! Nós
pegávamos ônibus de linha carregando instrumento nas costas para tocar na
periferia ou onde havia espaço, e quem viveu isso nunca esquece, então, eu dou
muito valor a essas coisas. Nós fazíamos música por amor, pelo romantismo de
fazer heavy metal num país recém saído da ditadura militar aonde nada era
permitido, por isso essas experiências foram tão interessantes e marcantes para
cada um de nós.
Essa volta não vai se basear
somente no saudosismo e nostalgia, afinal, somos pessoas diferentes hoje em dia
que evoluíram de uma forma ou de outra, portanto, a ideia não é tentar imitar o
que éramos há vinte anos, mas, sim, resgatar um pouco daquela essência, e mesmo
com outras experiência e vivências diferentes quando nos juntamos no estúdio
para tocar, e vai ser assim ao vivo, a fraternidade continuou a existindo.
O
projeto tem como força motriz a execução dos álbuns Soldiers of Sunrise e
Theatre of Fate. Ambos são discos
relativamente pequenos, que juntos totalizam algo perto de um concerto de uma
hora e meia. Vocês planejam incluir outro material ou talvez uma música nova?
Andre:
Nós estamos preparando algumas outras coisas, mas nada inédito. Não foi
composto nada inédito e isso, teoricamente, seria uma segunda etapa do trabalho
que nós não planejamos ainda. Nós vamos fazer uma turnê comemorativa que vai
durar um mês e meio, ou seja, começa e termina aí. Como se fosse evento único!
Haverá uma continuação disso? Isso depende de inúmeros fatores e nós não queremos
dar o passo maior que as pernas prometendo mil coisas agora, porque o que temos
de concreto é essa turnê com começo, meio e fim. Além disso, vou me dedicar
exclusivamente à minha carreira solo, porque já estou gravando o disco novo, e a
partir de Agosto ou Setembro já estarei em turnê com a carreira solo, então,
para aqueles que pensam: o Viper vai continuar agora? Não! É uma coisa pontal.
Que
atribuição de valor e responsabilidade você agrega a ambos os discos na
formação do cenário metálico brasileiro?
Andre:
Eu não quero puxar a sardinha para nossa brasa dizendo que nós éramos os únicos
porque não os fomos. Antes de nós o pessoal do Stress, Dorsal Atlântica, Sepultura,
Vulcano, Santuário, Centúria, Salário Mínimo, etc, já tinham lançado seus
discos e essas bandas que devem ser lembradas e veneradas por quem se interessa
pela origem do movimento.
A diferença é que nós
começamos com uma idade tenra, vamos dizer assim. Eu comecei com treze para
catorze anos; o Pity tinha quinze, ou seja, todo mundo variando entre catorze a
dezesseis. Éramos garotos querendo fazer musica, querendo fazer metal.
O
primeiro show foi o que pegou fogo?
Andre:
O primeiro show foi em 1985, e não foi esse que pegou fogo, não. Esse foi mais tarde
em 1988 ou 1989. Eu já tinha feito o número com a tocha várias vezes e nunca
tinha pegado fogo, mas é aquela história: o cara que se afoga é o que sabe
nadar bem! Depois daquele episódio nunca mais! Mas tem um pessoal que ainda
espera esse número nos novos shows (risos).
Mesmo
colocando fogo no palco e a pouca idade vocês compartilharam todo o movimento
heavy metal da época.
Andre:
(risos)... Soldiers of Sunrire foi lançado em 1987, e não deixa de ser um dos
pioneiros do estilo. Já o Theatre of Fate, de 1989, foi um marco, porque foi um
dos primeiros discos nacionais com uma produção internacional, e lógico que há
de dar crédito a isso, afinal, veio um renomado produtor inglês para gravar o
álbum; o disco foi gravado num estúdio, que não existe mais, que era da
BMG/RCA, em São Paulo, que tinha um equipamento absurdo, tanto que o som
daquele disco é atual e as músicas são maravilhosas. Eu sou suspeito para
falar, mas acho as canções tão incríveis que falam por si só. Esse álbum é o
caso de estar na hora certa e no lugar certo.
Com o
Viper e Shaman você lançou dois álbuns de estúdio e com o Angra um pouquinho
mais: três discos de estúdio. Por que dessa inquietação?
Andre:
Vou ser muito sincero com você: funciona enquanto há clima e sincronicidade na
banda, e se em algum momento isso é atrapalhado ou cessado o desenrolar são as
brigas de egos e coisas do gênero. E para mim isso funciona. Eu não sou o tipo
de cara que topa subir no palco com uma pessoa que não estou me dando bem ou
não falo, e estar lá apenas pelo negócio ou lado do business, então, eu não
tenho medo de recomeçar, aprendi a recomeçar desde cedo.
Praticar
esse desapego é difícil, não é?
Andre:
Uma separação é sempre difícil e doloroso.
Mudando
de assunto, o seu nome sempre foi sinônimo de qualidade musical. Dito isso, o
projeto Symfonia, com o álbum In Paradisum, passa longe de qualquer coisa que
você já tenha produzido, visto que o projeto falha com idéias mal trabalhadas e
elaboradas. E olha que tinha gente boa no negócio como você, Uli Kusch e Timo
Tolkki. Então, porque a coisa desandou de tal forma?
Andre:
Symfonia iniciou como um projeto que tomou ares de banda e foi interrompido
precocemente. Eu acho que foi uma coisa que poderia ter evoluído e ter feito
mais, mas não dependeu de mim. Foi arbitraria a decisão de cessar esse projeto.
Você
acha que não teve a demanda suficiente para o projeto?
Andre:
Eu não tenho nada a reclamar em relação a isso, porque acredito que tudo que
você começa, e olha que eu tenho experiência nisso de recomeçar tudo, você tem
um caminho a trilhar, então, você não pode esperar estar no topo da montanha de
um dia para o outro, há o caminho a trilhar e é justamente nesse ponto que
houve discordância de mentalidades entre os envolvidos, achando que só reunindo
alguns nomes famosos a coisa seria um sucesso imediato.
Você
considera que In Paradisum depõe contra ou a favor de sua carreira?
Andre:
Eu gostei muito! Eu o considero um ótimo disco composto por ótimos músicos e os
shows foram de uma energia incrível, com feedback excelente para a banda e
química excelente no palco. Por mim, eu não tenho nada a reclamar, mas eu sou
um cara que tenho a tendência de fazer as coisas não visando o lucro imediato,
eu faço só quando realmente gosto e me alimento disso. O lucro financeiro vem
depois, afinal, sobrevivo de fazer música, dão-se outros jeitos de sobreviver,
mesmo apostando num projeto a médio prazo. Ás vezes, você precisa fazer um
segundo, terceiro ou quarto disco para receber o merecido reconhecimento. Muitas
são as bandas que esperaram quase dez anos para chegar ao patamar que elas mereciam.
Você
lançou com o Angra três discos de estúdio oficiais, sendo que os que estouraram
foram o Angels Cry e Holy Land. Como foram os feedbacks dos discos e turnês naquela
época?
Andre:
Na época, o álbum Holy Land foi extremamente criticado, e hoje, talvez, seja
considerado o melhor da carreira do Angra.
Mas na época nós sofremos, principalmente, no Brasil. No mercado
internacional, não! Aqui foi muito detonado, mas lá fora foi bem entendido.
Devido
aos elementos brasileiros?
Andre:
Justamente! Muita resistência do público, que muitas das vezes é extremamente
conservador. O disco demorou uns dez anos para ser bem aceito aqui no Brasil. E,
sem dúvida, é um dos discos o qual me entreguei em 100% na composição.
A
composição na época era focada em você e no Rafael Bittencourt?
Andre:
Sim! O foco era em nós, mas os outros
também participaram.
O
conceito do álbum veio de quem?
Andre:
Se eu não me engano, eu desenvolvi esse conceito junto com o Rafael, mas a
música, Holy Land, eu fiz sozinho. E esse conceito do título do disco veio da
música que eu fiz.
Diante
do feedback que vocês tiveram na gringa com o Holy Land seria esperado um álbum
nos mesmo trejeitos, mas foi totalmente o extremo com o Fireworks.
Andre:
Com certeza, porque a tendência é você sempre evoluir para algum lugar.
E
é difícil agradar todo o público, por exemplo: se fizer um disco igual ao
anterior você está criatividade e se inovar demais você perde suas raízes.
Andre:
A grande sacada, na realidade, e em como tudo na vida, é você ter o equilíbrio.
As pessoas não entendem o que é estar na
pele de um músico. É muito fácil criticar quando você não tem a
responsabilidade de fazer as coisas, mas quando você faz você fica numa corda
bamba, onde farei um trabalho que para mim é motivador? Ou vou farei aquilo que
meu público deseja ouvir? Muitos incorrem no erro extremo de se repetir apenas
para satisfazer o público e outros correm o risco oposto: não satisfazer nada o
público e fazer aquilo que quer. As coisas não são por aí! Você tem que lembrar
que você não faz música só para você. Quer fazer música só para você? Grava
suas próprias músicas e você mesmo as escuta sozinho. Eu faço isso. Tenho
minhas composições clássicas que compus para mim. Mas, por outro lado, essa
postura reacionária e o medo de inovar são perigosos, porque você vai receber
criticas como: mais do mesmo; o cara não tem mais criatividade e não se
reinventa há anos, então, há de achar o caminho do meio, nem tanto ao mar e nem
tanto a terra, sabendo inovar e manter suas raízes, o que é benéfico, mas isso demanda
concentração e muito autocontrole.
Nota: Realizei essa entrevista para o Jornal do Interor Sul Fluminense. Agradeço o apoio da produtora SNS Produções.